sábado, 16 de janeiro de 2010

AS VOLTAS DA VIDA

Achamos muitas vezes que tudo o que acontece à nossa volta é ao acaso. "Aconteceu", pensamos nós. Ou simplesmente nem pensamos nisso. Mas, bastava mudar um pormenor, mesmo que fosse banal, sem importância, para mudar tudo. E, às vezes, tentamos fugir de situações que acabam por nos levar aos nossos dias, ao como hoje estamos. E hoje, pensamos "Ainda bem que assim foi." Penso na minha vida agora e como cheguei até aqui. E vendo bem, se calhar nada aconteceu ao acaso. Não digo que o destino exista. Não sei. Ninguém sabe. Mas a verdade é que tudo aconteceu de forma a eu chegar onde estou e estar com quem estou. E, na altura, a minha vida podia estar a correr mal e não percebia porque nada acontecia como eu queria, como eu tinha imaginado. Mas, hoje, fico feliz por nada ter sido como tinha planeado na minha cabeça. Porque foi assim que encontrei a vida que sempre quis.
Sinto que as coisas começaram a ser diferentes do que queria no meu décimo segundo ano, quando me senti injustada com o exame. Achei a pergunta ambígua. Tinha posto a resposta certa e à última mudei. Para a errada. E por causa disso, por causa dessa escolha múltipla, não entrei na faculdade de medicina em lisboa. Senti-me mal, frustada por ter que repetir os exames e pôr minha vida em espera. Mas também vos digo. Foi um ano que passou a correr e agora que olho para trás vejo que podia ter feito imensas coisas e não fiz. Mas consegui o que queria. Ter boas notas nos exames e sabia que fosse onde fosse, ia ser caloira de medicina. Esse "fosse onde fosse" era o Porto. Não queria sair da minha cidade e a faculdade de medicina do Porto foi o que sempre sonhei. Podiam dizer muito mal dela. Mas era um sonho. Chegou o dia para preencher as opções e, então, coloquei as duas primeiras opções no Porto e a terceira pensei em Braga. Nem sabia que Braga tinha faculdade de medicina e no ano anterior não tinha sido uma hipotése. Mas, este ano, pus. Imaginava-me ficar no Porto ou ir para Lisboa. Quase que entrava no Porto mas fui colocada em Braga. Fiquei feliz mas chocada. Longe de tudo. De todos. Ter que me mudar para Braga, uma cidade que não conhecia. Ir sozinha para uma faculdade. "Estou em medicina, é o que interessa", pensei eu. No dia das inscrições, tentava evitar dizer o meu curso e tentei mesmo fugir da praxe mas fui encaminhada para a praxe de medicina. Senti-me desprotegida. Mas, entretanto, um doutor chamou-me e começou a falar comigo. Uma conversa interessante. Ora fazia voz meiga, ora engrossava a voz. Apetecia-me rir e só ouvia "Não se ria, caloira!". Tentava olhar para a cara dele, para mais tarde saber quem falou comigo mas diziam-me "Olhe para o chão. Não é para o traje!" Mas eu não queria. No mês seguinte, já era altura de escolher madrinhas e padrinhos. Quis escolher aquele doutor. O primeiro doutor a praxar-me, a ensinar-me coisas da praxe. Mas, tímida como sou, fui adiando esse pedido. Até que, um dia, o vi. E disse que tinha que ser agora. Tinha que pôr de lado a timidez e pedir-lhe para ser meu padrinho. Mas tinha medo que me rejeitasse. Deixei de pensar mais e fui. Pedi-lhe, mesmo envergonhada. Fiquei com mais vergonha depois da expressão de admirado que fez mas disse "Sim". Ufa. Já tenho padrinho. Uns minutos a seguir, um outro caloiro foi-lhe pedir para ser padrinho dele também mas já não podia mais. E por ser meu padrinho comecei a falar com ele e dei por mim a deitar-me tarde porque gostava de conversar com ele. Dei por mim a ficar feliz por ele estar ali. Dei por mim a querer ficar bonita porque ele ia estar lá. Dei por mim a querer ir a um sítio porque sabia que ele também ia. Dei por mim a procurá-lo com o olhar a tarde toda. Dei por mim a rir-me porque ele se estava a rir. Dei por mim a querer estar com ele. Dei por mim a querer que ele olhasse para mim. Dei por mim a tremer porque ele estava a olhar para mim. Dei por mim a dizer-lhe que gostava dele. Dei por mim mesmo feliz quando me senti correspondida. Dei por mim sem reacção quando ele me diz que está apaixonado por mim. E dei por mim a apaixonar-me por ele. E quando demos por nós, estávamos juntos a viver o que sempre quisemos. Agora penso: Aconteceu tudo ao acaso? Eu acho que não.